Arcabouço fiscal: Haddad reforça presença nas negociações para destravar pauta-chave do governo

Depois de passar a semana no Japão, para o encontro de ministros de Finanças do G7, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desembarcou domingo no Brasil com a missão de destravar a pauta econômica mais importante do governo Luiz Inácio Lula da Silva: o arcabouço fiscal.
Na semana passada, enquanto era dia no Brasil, Haddad acordava de madrugada no Japão para tratar da articulação política e falar com os secretários Gabriel Galípolo, Rogério Ceron e Marcos Pinto. De volta ao país, o ministro vai reforçar pessoalmente a articulação política no Congresso, e, segundo fontes do Planalto, está ciente de que terá de negociar.
Haddad vai se reunir nesta segunda-feira com o presidente Lula e, durante a semana, vai abrir a agenda para receber líderes dos partidos da base do governo e da oposição. Segundo interlocutores do Planalto, o ministro teria garantido ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o Executivo vai seguir liberando emendas parlamentares.
Auxiliares do ministro consideram inevitáveis mudanças no texto e prometem que os próximos dias serão de foco total para se chegar a um consenso com a Câmara dos Deputados. Na noite de hoje, representantes do governo devem se reunir com Lira e o relator do texto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), mas ainda não há confirmação se Haddad participará ou se enviará interlocutores. Aliados afirmam que a figura do ministro pode ser necessária caso impasses permaneçam.
Cajado disse ontem que pretende concluir o esboço do relatório hoje até meio-dia, para apresentar o texto na reunião à noite. O relator, que evita antecipar pontos do relatório para não travar as discussões, afirmou que primeiro vai conversar com os líderes para costurar um texto que seja consensual.
“Vamos buscar um acordo possível para ter os votos que garantam a aprovação.”
O texto final deve ser disponibilizado na véspera da votação em plenário, amanhã ou quarta-feira, a depender da decisão de Lira e dos líderes.
Fogo amigo
Parte dos entraves é causada por parlamentares da base governista, principalmente do PT. Deputados petistas cogitam apresentar emendas ao projeto do novo marco fiscal, na tentativa de garantir espaço para investimentos e aumentos do salário mínimo.
A posição, porém, vai contra a orientação do Planalto, que não quer interferências de aliados no debate com o relator. O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, afirmou que o esforço será por mudanças mínimas no texto:
“Trabalho para que não tenhamos mudanças. Acho que haverá, sim, mas serão mudanças que não tiram a capacidade do governo investir e ampliar programas.”
Após criticar o bate-cabeça na base aliada na última semana, Cajado ressaltou a necessidade de participação mais intensa do governo para que o projeto seja votado.
“Não sou governista, e nem o presidente da Câmara poderá sê-lo. Cabe ao líder do governo, José Guimarães, sua base e o governo se empenharem para dar apoio.”
Segundo Cajado, o principal ponto a ser discutido é como garantir o cumprimento da meta. Punições, disse, não estão em debate.
“Não queremos falar em criminalização ou ajustes draconianos. Queremos trabalhar para ter regras que sejam perseguidas. O que fazer no caso de descumprimento para se perseguir a meta? Há várias sugestões e não queremos impor nada, queremos encontrar um consenso entre quem pensa de uma forma ou de outra.”
No sábado, em visita ao interior de São Paulo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, mostrou otimismo com as perspectivas para a aprovação do arcabouço fiscal.
“Estou otimista. Já começa segunda-feira a reunião com os líderes, o presidente da Câmara, para fecharmos o calendário de votação. Estou otimista, sim, que é possível e necessário aprovarmos o mais rápido possível a lei de responsabilidade social e fiscal.”
Partidos da base aliada, PSD e MDB sinalizaram fidelidade ao governo na votação da proposta. Mas cobram maior participação na elaboração do texto final e não descartam apresentar destaques na votação, caso as sugestões não sejam consideradas.
“Somos governo, nos sentimos governo e queremos colaborar com o governo. Queremos participar enquanto governo — disse o líder do PSD, Antonio Brito (BA).”
O partido sugeriu, por exemplo, a inclusão de um artigo que dê segurança de que não haverá aumento de impostos. A legenda comandada por Gilberto Kassab também quer a descrição de sanções para gestores públicos no caso de descumprimento das metas fiscais.
O MDB faz parte de um blocão partidário que inclui legendas como o Republicanos. O líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), acredita que o partido de Marcos Pereira deixará as divergências de lado.
“Acho que o bloco partirá unido. Se tiver pontos de divergência, vamos discutir. O bloco é muito harmônico, mesmo o Republicanos.”
Próxima etapa: Senado
Mas na oposição, apesar da disposição da Fazenda para dialogar, a ala mais à direita do PL, aliada de Jair Bolsonaro, não quer saber de conversas e dá como certos os votos do partido contra o arcabouço.
“O teto de gastos é bom. Podemos até avaliar melhorar o teto de gastos, mas não retroceder para um modelo de piso de gastos que não garante a sustentabilidade da dívida pública”, disse o líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ).
Assim que o novo marco fiscal avançar para o plenário da Câmara, o que o governo espera que aconteça ainda esta semana, Haddad e seus auxiliares abrirão imediatamente o diálogo com líderes do Senado. As primeiras reuniões serão com o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Uma vez aprovado o arcabouço fiscal também no Senado, a equipe econômica se dedicará às conversas sobre a reforma tributária.
O grupo de trabalho (GT) para o tema na Câmara deve adiar em uma semana a apresentação de seu relatório preliminar. A previsão é que o primeiro texto seja levado aos deputados a partir de 23 de maio. A data anteriormente prevista era 16, mesmo dia do encerramento oficial do GT.
Na avaliação de técnicos da equipe econômica, o atraso foi positivo. O entendimento é que o alvo, agora, é o arcabouço fiscal. E o governo ganha tempo para fazer uma bateria de negociações em torno da reforma tributária.
O relatório do GT deve ser debatido em um seminário nos dias 23, 24 e 25 deste mês. A partir daí surgirá o texto final. Só então o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), construirá o substitutivo que irá a votação na Câmara.
Por Victoria Abel, Geralda Doca e Sérgio Roxo
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