Quase cem anos dos fundos garantidores de depósitos: o pão do padeiro e a confiança no sistema financeiro

Em outubro de 1929, a Bolsa de Nova Iorque desmoronou, levando consigo a confiança de milhões de americanos no sistema financeiro. O que começou como uma crise no mercado de ações logo se transformou em uma corrida bancária desenfreada.
Sem um fundo garantidor de depósitos, os clientes, apavorados com a possibilidade de perderem suas economias, correram para retirar seu dinheiro.
Bancos, que tradicionalmente mantêm apenas uma fração dos depósitos em caixa, quebraram em cascata. O resultado foi catastrófico: milhares de instituições fecharam, o crédito secou e a Grande Depressão se aprofundou.
Corridas bancárias são como incêndios em matas secas: uma vez iniciadas, espalham-se rapidamente, consumindo tudo ao redor.
O problema não reside somente nas dificuldades pontuais enfrentadas por algumas instituições, mas também no pânico coletivo que transforma problemas individuais em casos sistêmicos.
Foi diante desse cenário desolador que o governo dos Estados Unidos, em 1933, instituiu o Glass-Steagall Banking Act, que separava as atividades de bancos comerciais e de investimento e estabelecia uma nova forma de proteção: a criação do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC).
O que é o FDIC e qual é a sua utilidade?
O FDIC foi concebido com dois objetivos centrais: socorrer depositantes de instituições financeiras em apuros e, mais importante, manter a confiança no sistema bancário como um todo.
Se os clientes soubessem que seu dinheiro estava assegurado até determinado limite, não haveria necessidade de precipitar uma retirada massiva dos recursos, mesmo diante de crises.
Essa garantia não apenas prevenia a transformação de crises locais em calamidades nacionais, mas também permitia que o sistema financeiro operasse com uma estabilidade essencial para a retomada do crescimento econômico.
Quando o sistema surgiu no Brasil?
No cenário brasileiro, o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) desempenha papel análogo ao FDIC dos Estados Unidos, mas com características adaptadas à realidade do país.
Instituído em 1995, o FGC tem a missão de proteger os depositantes e investidores, garantindo o reembolso de valores aplicados em contas correntes, poupanças, CDBs e outros produtos financeiros, até os limites estabelecidos pela legislação.
Essa proteção é vital para sustentar a confiança dos cidadãos no sistema bancário nacional, sobretudo em momentos de instabilidade econômica ou dúvidas sobre a saúde de determinadas instituições financeiras.
Ao assegurar os depósitos, o FGC ajuda a mitigar o pânico que poderia desencadear uma corrida bancária, contribuindo para a manutenção do equilíbrio do sistema, mesmo quando o ambiente econômico enfrenta desafios.
Qual é a teoria por trás de um fundo garantidor?
A teoria econômica nos oferece uma visão enriquecedora sobre essa dinâmica.
O modelo de Diamond-Dybvig, formulado na década de 1980, ilustra como o sistema bancário pode se comportar em dois equilíbrios distintos: o equilíbrio bom, onde a confiança e a normalidade prevalecem, e o equilíbrio ruim, onde o pânico se instaura, levando ao colapso de instituições e à deterioração do sistema financeiro.
Nesse contexto, a “morte” de um banco não decorre unicamente de perdas financeiras, mas da perda de confiança dos depositantes.
Os fundos garantidores, como o FDIC e o FGC, atuam justamente para evitar que o medo se transforme em uma reação em cadeia, preservando assim o equilíbrio bom do sistema.
Atenção: fundo garantidor não é solução infalível
É importante reconhecer que, apesar de sua eficácia, os fundos garantidores de depósitos não são onipotentes.
Em uma situação teórica extrema em que várias instituições enfrentem simultaneamente dificuldades graves, nenhum fundo seria capaz de cobrir a totalidade dos riscos.
Entretanto, sua verdadeira força reside na capacidade de alterar a percepção de risco: ao oferecer uma rede de segurança, eles previnem que rumores e incertezas se espalhem de forma descontrolada, mantendo a confiança dos investidores e depositantes.
Agora, há uma lição prática para investidores. No clássico exemplo de Adam Smith, o padeiro não acorda cedo para produzir pão por amor ao próximo, mas porque precisa vender para garantir sua sobrevivência.
De maneira similar, bancos que oferecem rentabilidades muito acima do mercado não o fazem por benevolência, mas porque precisam.
Esses altos retornos funcionam como um alerta: quando algo parece bom demais para ser verdade, pode ser que os riscos estejam subjacentes, prontos para se manifestar a qualquer momento.
A solução para os investidores é clara: compreender que maiores retornos implicam, de forma implícita, maiores riscos. A estratégia mais sensata consiste em construir uma carteira diversificada, evitando concentrações excessivas em qualquer ativo ou emissor.
Somente dessa maneira é possível aproveitar os benefícios de retornos superiores sem se expor demasiadamente aos riscos, preservando assim a estabilidade pessoal e contribuindo, de forma indireta, para a manutenção do equilíbrio do sistema financeiro como um todo.
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