EUA perdem espaço na carteira do investidor global; Brasil tem chance, diz gestor da Vinci
Gestor da Vinci prevê desconcentração de investimentos nos EUA e vê oportunidade para o Brasil, desde que o país arrume a casa
Após anos sendo um grande íman de capital do mundo todo, os Estados Unidos agora devem perder um pouco de espaço, diante das incertezas sobre a direção que a economia americana pode tomar.
Essa é a avaliação do executivo-chefe de investimentos da Vinci Compass Brasil, Fernando Lovisotto, que aponta não o surgimento de um país ou bloco de países que faça frente ao chamado “excepcionalismo americano”, mas sim uma exaustão da narrativa que beneficiou tanto os ativos americanos.
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Lovisotto diz enxergar uma janela de oportunidade para o Brasil, mas para isso é preciso “arrumar a casa”.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
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Qual é o cenário global que se desenha após as medidas tarifárias de Donald Trump?
Estamos em um momento superincerto. Nós viemos de um pós-covid, em que a discussão era sobre desglobalização, com inflação um pouco maior e juros altos por mais tempo. O mercado foi melhorando ao longo do tempo, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) começou a cortar os juros e houve o rali pós-eleição do Trump.
Todo mundo passou por cima do cenário de medo de inflação e juros altos por mais tempo, e o mercado voltou a negociar o cenário mais antigo, em que todo mundo queria investir nos EUA, nas empresas de tecnologia.
Com a questão das tarifas, esse ambiente se desfez, porque as tarifas realimentaram a questão de inflação mais alta, juro maior, desglobalização. Nós vivemos um período entre 2008 e 2020 de juros muito baixos, em que tudo andava para o mesmo lado.
Mas aquele ambiente em que os EUA sugavam o dinheiro do mundo todo está deixando de existir, e cada país vai ter um comportamento diferente, como acontecia antes. Já está ocorrendo a desconcentração em ativos dos EUA, tanto é que, nos dias de maior aversão a risco no mercado, a bolsa americana cai, a taxa de juros sobe e o dólar enfraquece.
Ou seja, estão tirando dinheiro de lá.
Há alguma narrativa hoje que faça frente ao chamado ‘excepcionalismo americano’?
A narrativa que há hoje não é de outro país ou um bloco de países que faça frente ou que venha a competir com os Estados Unidos.
O que temos agora é uma percepção de que houve uma concentração muito grande de recursos no mercado americano, e agora ficou arriscado ter muita exposição lá porque não se sabe qual vai ser a direção que o país vai tomar. E uma segunda narrativa surge dos próprios países.
Por exemplo, (investidores) alemães, sabendo que o país vai precisar de investimentos, decidem trazer o dinheiro de volta. Isso significa que a Europa vai bater os EUA? Não, mas isso muda a direção do fluxo de capital.
Com a realocação de capital, pode haver uma janela de oportunidade para o Brasil?
Acredito que sim. Só precisamos não fazer as coisas de forma errada. Ao meu ver, temos de novo uma chance pela frente.
Obviamente, se o mercado global piorar muito, fica mais complicado para o Brasil.
O papel de segurança dos ativos americanos chegou ao fim?
Acho que não é para tanto. Nos últimos anos, vivemos um exagero, porque parecia que só existia um lugar no mundo para se investir: os Estados Unidos.
Se olharmos o desempenho dos gestores globais de bolsa, muitos apanhavam do S&P 500 e por isso todo mundo passou a comprar o ETF do S&P 500.
Isso está se revertendo. Mas não significa que os EUA deixarão de ter importância. Eles são dinâmicos, têm empresas diferenciadas, o setor de tecnologia todo está lá.
Você enxerga espaço para o dólar cair mais globalmente?
Ao meu ver, o dólar pode cair mais.
Acho que, da mesma forma que o movimento de valorização foi duradouro, quando havia ingresso de capital para os EUA, agora, com a saída de dinheiro, pode ser uma dinâmica (de depreciação) mais prolongada.
Por isso, acho cedo dizer que o dólar se desvalorizou o suficiente. Tem espaço para mais.
Também contra o real?
Neste primeiro semestre do ano, é o período que o exportador vende a safra [de grãos]. Acreditamos que a tendência até o meio do ano é do real apreciar.
Mas também é preciso lembrar o fluxo forte de saída. Isso parece que veio para ficar, ou pelo menos enquanto tivermos incertezas locais, com a insegurança vindo pela questão fiscal.
A experiência recente do brasileiro com investimentos no exterior foi boa, enquanto a experiência em investir no Brasil foi horrível.
O que foi bem no Brasil nos últimos três anos? Difícil dizer. Por isso, essa diversificação no exterior deve continuar.
A velocidade com quem vão mandar dinheiro para fora vai depender do grau de instabilidade interna. Se arrumarmos a casa, o investidor local segura o dinheiro aqui.
E no caso dos Treasuries…
Temos uma preocupação com algo bem técnico lá porque os Treasuries (títulos do Tesouro americano) estão negociando muito mal. E quando o (presidente do Fed, Jerome) Powell foi questionado sobre isso, ele apenas disse que o mercado estava ‘ok’.
Junto disso, muitos investidores têm vendido títulos. Não sabemos quem são, mas sabemos que para ficarem lá neste momento, eles pedem taxas mais altas.
Nós, como país emergente, sabemos bem como isso funciona. Quando é sabido que o Tesouro precisa emitir, o investidor pede mais [juros].
Como estão as posições de vocês hoje?
Temos posições pequenas porque, com essa incerteza toda, não conseguimos ter algo mais estrutural. Na semana passada, também fizemos posição tomada (aposta na alta das taxas) em juros americanos, mas não sei dizer se daqui alguns dias não vamos zerá-la…
O que ainda temos nos EUA é uma operação comprada na inflação implícita [aposta na alta da inflação] que veio da época da Covid, nos anos de 2020 e 2021.
Continuamos vendo a inflação por lá mais forte do que todo mundo.
Onde está o maior risco de vocês?
Estamos trabalhando com bem pouco risco, mas o pouco que tem está bem diversificado.
Aqui no Brasil, temos um ‘trade’ de inclinação do cupom cambial (aposta em uma maior diferença entre o cupom de longo prazo e as taxas mais curtas), que é uma outra forma de fazer aposta de que a curva de juros de longo prazo nos EUA vai subir.
Também temos sido táticos na bolsa brasileira, mas tem um ‘book long/short’, que carregamos de algumas ações contra o índice.
No mercado de moedas no Brasil, também somos táticos e estamos comprados em real contra o dólar, mas é pouca coisa.
Os juros de longo prazo dos títulos atrelados à inflação, as NTN-B, estão acima de 7%. Vocês veem queda no curto prazo?
A queda das taxas deste título ficou mais difícil. Antes, você tinha um comprador cativo que eram os fundos de pensão. Só que eles já compraram tudo o que tinham para comprar.
Pelo aspecto mais técnico, todo mundo estava com medo do fiscal, da inflação desancorar, o real desvalorizou muito no fim do ano passado…
Além disso, é meio ‘fake’ acreditar que o nível de 6% é bom, porque, antes de 2008 (quando os juros reais no mundo desenvolvido eram altos), a NTN-B não estava em 6%…
O nível vai mais para cima porque o mundo todo tem juro maior. Dito tudo isso, a queda das taxas desses títulos vai depender de inflação mais baixa no Brasil e de quadro fiscal melhor.
Por outro lado, tivemos conversas com estrangeiros, e eles mostram interesse, achando a taxa hoje muito alta.
Com informações do Valor Econômico