Os (e)feitos de um diretor esportivo: Sartori, Atalanta, Bologna e a arte de fazer bem-feito

Giovanni Sartori, diretor esportivo do Bologna FC, é um 'unicórnio' do futebol. O Brasil precisa de personagens como ele

A atividade core de um clube de futebol, independentemente do seu modelo societário, é a prática de futebol profissional, através da disputa de competições, cujo objetivo básico é vencê-las. A partir daí podemos derivar uma série de coisas, como definir modelo de negócios, expectativa real de desempenho. Poucos clubes são efetivamente candidatos aos títulos, mas a atividade segue sendo a mesma. Por isso é tão complexo gerir um clube de futebol.

Afinal, uma boa gestão fora de campo é condição necessária, mas não suficiente para sucesso esportivo, que pode ser o título, uma vaga na Libertadores, na Champions League, a permanência na divisão e por aí vai.

Uma área financeira que orça corretamente e controla o caixa de maneira efetiva é importante, uma área de marketing que divulga a marca e traz receitas via área comercial é fundamental, programas de sócios torcedores e vendas de ingressos que propiciem boa experiência ao torcedor são relevantes na construção da relação. Mas se o campo falha, todo o resto é supérfluo. Mas têm que estar lá, funcionando direitinho, porque quando o campo for bem serão criticados por incapacidade.

Prioridades do futebol brasileiro

Será que estamos tratando corretamente a relação de prioridades no futebol brasileiro?

A coluna dessa semana trará um personagem distante do torcedor brasileiro, e que possivelmente poucos profissionais do nosso futebol o conheçam, mas que de forma silenciosa cria sucessos esportivos e estabilidade financeira para os clubes para quem trabalha. Falo de Giovanni Sartori, atual Diretor Esportivo do Bologna FC.

O italiano de 69 anos começou a carreira no Chievo Verona 1992, onde ficou até 2014, o que se transformou num período de sucesso do pequeno clube da cidade de Romeu & Julieta.

Assumiu o clube na Série C, e dois anos depois subiu para a B, onde ficou por 7 temporadas até chegar à Serie A em 2001/02. Até a saída em 2013/14 foram 12 temporadas na Série A e uma na Série B. Em 2014 ele se transfere para a Atalanta e constrói uma história de sucesso, onde fica até 2021/22, quando se transfere ao Bologna.

Antes de entrar nos motivos que me levam a falar sobre Sartori, no gráfico abaixo vocês verão o desempenho de Atalanta e Bologna durante suas gestões. Nas linhas, os períodos em azul são aqueles em que Sartori é o diretor esportivo das equipes.

Mudança de patamar esportivo

Observem a mudança de patamar esportivo com a chegada dele. Tanto na Atalanta quanto no Bologna. Mágica? Não; método. E é sobre isso que vamos falar.

Em 2020 conversei com ele a partir de um contato que o jornalista brasileiro radicado na Itália Andersinho Marques intermediou. Sartori é de poucas palavras, avesso à mídia. Raramente concede entrevistas e não tem whatsapp. Toda conexão é feita via SMS.

Na nossa conversa ele contou como fez parte da transformação da Atalanta, que foi comprada pela família Percassi em 2011. Investimento pesado em infraestrutura, equipe de análise técnica e scouting, acesso a atletas e competições antes dos outros. E enorme responsabilidade financeira.

O modelo é óbvio: a partir da ideia de jogo, chega-se a um treinador adequado. Na Atalanta foi Gian Piero Gasperini, que chegou ao clube em 2016 levado por Sartori. E a partir de um modelo de negócios claro, chega-se aos jogadores. Qual a ideia? Encontrar atletas de qualidade desconhecidos, formá-los, colocá-los numa equipe competitiva e negociar seus direitos com valorização.

O projeto tem um resultado impressionante

Esportivamente a equipe deixou de lutar pela permanência na Série A para ocupar vagas na Champions League no lugar de Roma, Lazio, Milan e Napoli.

Financeiramente a Atalanta consegue a proeza de apresentar 11 anos seguidos de lucro e fechará 2025 também no azul. Desde a chegada de Sartori ao projeto dos Percassi são € 175 milhões de lucros acumulados. Motivo? Gestão eficiente de custos, lucro na negociação de atletas e presença constante na Champions League. De quebra, no meio do caminho veio a conquista da Europa League, batendo Liverpool e Bayer Leverkusen.

No modelo adotado existe uma vertente financeira – a remuneração é composta de sucesso esportivo, respeito ao orçamento e lucro na negociação de jogadores – e uma técnica. E aqui mora o segredo.

O clube bergamasco possui cerca de 30 analistas de desempenhos e scouts, que monitoram todos os mercados possíveis. A partir daí, geram insights e indicações que são avaliadas pela diretoria esportiva.

Os nomes que são aprovados devem ser seguidos por observadores in loco, para acompanhar o comportamento em campo. Números e tecnologia são importantes, mas o comportamento dentro de campo pode se esconder atrás deles.

A rede de observadores avalia sob diversas óticas – jogos em casa, jogos fora, ideia de jogo da equipe, e tantas outras – e relata o que vê. A partir de um certo valor de negociação, o próprio Sartori vai acompanhar os jogos, independentemente de onde seja. Nunca é apenas pelo vídeo, nem apenas pelos dados de scouting.

Entre 2012 e 2015, além da evolução do desempenho esportivo, a Atalanta obteve mais de € 180 milhões em lucro nas operações com atletas. E como está tudo interligado num processo bem azeitado, a saída de Giovanni Sartori foi sentida, mas compensada justamente pela manutenção da ideia e do processo.

Bologna: uma nova história, o mesmo resultado

Em 2022 Sartori vai para o Bologna, e vemos no gráfico acima a mudança de perfil esportivo.

No primeiro ano, o clube já vai para a primeira página da tabela, e no segundo, com a presença de Thiago Motta no banco e os efeitos do elenco formado, o clube consegue uma improvável vaga na Champions Legue. Não é só isso. O ‘efeito Sartori’ nas contas já apareceu.

Só as negociações de Zirkzee com o Manchester United – holandês pouco utilizado no Bayern Munich, contratado por € 8,5 milhões e vendido por € 42 milhões – e Calafiori – vendido ao Arsenal por € 45 milhões, tendo custado € 4 milhões ao Bologna – já renderam o suficiente para custear boa parte dos investimentos.

Nessa temporada segue a mesma toada: Ferguson, Castro e Ndoye devem ser negociados gerando mais de € 70 milhões de lucro.

Mas e o campo?

Futebol é feito de campo, não?

Pois bem, a ideia de falarmos em Sartori surgiu justamente após um fato esportivo: o Bologna venceu a Coppa Italia na última quarta-feira, batendo o Milan, e levantando um troféu depois de 51 anos. Uma equipe que foi reformada após a saída dos principais atletas, que precisou substituir o treinador com a saída de Thiago Motta – chegou Vincenzo Italiano, com a mesma ideia de jogo do antecessor – e a equipe consegue um título, garante uma vaga na Europa League e ainda é candidata a vaga direta na Champions League.

Giovanni Sartori é um exemplo de sucesso na função de diretor esportivo, cada vez mais fundamental na construção de estruturas competitivas e vencedoras no futebol.

É fundamental que nesta função estejam profissionais que entendam do jogo, que valorizem os dados, mas não virem refém deles, que tenham capacidade de avaliação, e necessariamente entendam que conquistas esportivas e sustentabilidade financeira precisam andar juntas.

O futebol brasileiro precisa urgentemente encontrar esses unicórnios.

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