Jornada empreendedora: de pastifício em SP à produção artesanal de ladrilhos… no Canadá

Sempre se renovando, Ivan Barnes percorre uma jornada empreendedora onde paixão, trabalho e visão de futuro se encontram

Em um cenário dominado pela produção em massa e soluções padronizadas, a trajetória de Ivan Bornes busca a contramão: ela é artesanal, afetiva e, ainda assim, estrategicamente pensada como um projeto de longo prazo.

Ivan é o tipo de empreendedor que transforma tudo o que toca em algo vivo, seja uma massa de macarrão fresca feita no coração de São Paulo ou um mosaico hidráulico ganhando forma em um ateliê… no Canadá.

Nascido em Montevidéu, no Uruguai, Ivan mudou-se para o Brasil quando tinha nove anos. Marcada por mudanças impostas por instabilidades políticas, sua vida foi caracterizada por deslocamentos e, consequentemente, por reinvenções.

Com avô e pai carpinteiros, Bornes cresceu em um ambiente de criatividade. Na adolescência, a vida tomou um rumo inesperado: se emancipou aos 16 anos e migrou para a Europa.

Talvez seja por isso que sua história não caiba em uma só vida. É como ele mesmo diz: “A jornada é composta por várias vidas. E em cada uma delas, eu busquei viver perto da arte. Mesmo sem me considerar um artista, foi ela quem guiou minhas decisões.”

Primeira vida: a revolução das massas em SP

Foi em uma viagem à região de Gênova, na Itália, terra de seus antepassados, em que Ivan reviveu suas raízes. Cativado por um pequeno pastifício de massas e seu maquinário antigo, recordou de sua avó preparando massas em Montevidéu e dos almoços de domingo com raviólis.

Em 2010, após cinco anos de estudo, maturação e pesquisa, inaugurou o primeiro Pastifício Primo em São Paulo. O comércio gastronômico funcionava no bairro de Pinheiros, e foi eleito por veículos como Veja São Paulo e Folha de S.Paulo como a melhor rotisseria da cidade.

familia em frente a uma vendinha
Foto de Ivan Schiappacasse Bornes ex-proprietário do Pastifício Primo / Foto: Arquivo pessoal

Mais do que uma loja, o Primo na visão de Ivan Bornes se tornou um símbolo de afeto, arte e sabor. Um investimento feito com dinheiro emprestado de amigos e muita fé no próprio conhecimento adquirido.

“A cidade de São Paulo não é para amadores”, diz ele. “Lá, você sabe se o que faz dá certo ou não. Tive uma relação de família com meus funcionários. Foram dez anos maravilhosos.”

O conceito de massas frescas, feitas sem conservantes, com ingredientes locais e receitas italianas autênticas, conquistou um público exigente em busca de experiências gastronômicas. A marca cresceu, virou rede e chegou a contar com dez unidades espalhadas por algumas capitais brasileiras.

“Construir uma empresa também é uma forma de arte”, diz ele. Durante uma década, Ivan dedicou-se de corpo e alma ao negócio.

Transição de vida: como você se surpreende

Com dois filhos pequenos e o desejo de uma vida mais suave, Ivan e sua esposa, Lurdete Ertel, jornalista e artista, decidiram se mudar para Montreal para que ela pudesse cursar design, “Queríamos um ritmo mais calmo para criar nossos filhos, diminuir a velocidade, estar mais presentes”, explica.

Montreal parecia promissora, mas as constantes viagens de Ivan e o interesse de um investidor no Pastifício mudaram tudo. A venda ocorreu um mês antes da pandemia, uma sorte que selou o novo futuro da família.

Segunda vida: telhas, arte e sustentabilidade em Quebec

Ao tentar instalar ladrilhos hidráulicos em casa, percebeu que o produto era raro no Canadá.

Ivan enxergou então uma oportunidade no mercado canadense: produzir localmente peças artesanais, ecológicas e únicas. Inspirado pelas casas onde moraram em São Paulo, sempre decoradas com ladrilhos hidráulicos, e por uma experiência anterior com essa arte em Barcelona, foi criada a Hydro Tuiles.

“Não existe concorrência por aqui. O mercado é dominado por produtos importados. Nosso desafio é educar as pessoas sobre a existência e as vantagens desse tipo de produto”, explica.

Recomeçar em outro país, com idioma e cultura diferentes, não foi fácil. “Minha maior dificuldade foi ter a humildade de recomeçar do zero”, confessa. Ivan também deixou o “bichinho do empreendimento” falar mais alto.

Alta arte, baixo impacto

Cada ladrilho é feito com cimento certificado LEED, sem fornos ou calor, apenas com areia, pigmentos naturais e água. A fabricação é sob demanda, sem estoques, evitando desperdício.

Os moldes, que na Europa levam até 30 dias para serem feitos à mão por artesãos, são criados em 24 horas com impressão 3D. A empresa já cria coleções com designers de Nova York e está prestes a colaborar com o governo de Montreal em um projeto de arte urbana.

homem em atelie produzindo ladrilhos
Foto de Ivan Schiappacasse Bornes proprietário do Hydro Tuiles / Fotografo: Arquivo Hydro Tuiles

“Queremos que nossos clientes criem uma relação emocional com o produto. O mosaico hidráulico é como um terno feito sob medida”, define Ivan. “É um mercado difícil, acostumado à produção em escala. Mas quando alguém sai encantado do nosso ateliê, é uma forma de remuneração que não tem preço.”

Para Ivan, empreender é tão artístico quanto esculpir ou cozinhar. “A construção de um negócio tem um lado humano e criativo. É improviso, sensibilidade, visão.”

Segundo ele, a maior lição desses anos é o amor ao cliente, e seu conselho para quem começa é: “Faça terapia, conheça seus pontos fortes e fracos. O crescimento pessoal é uma das maiores forças de um empreendedor.”

Ao contrário do caminho de crescimento acelerado que viveu com o Pastifício, a HydroTuiles almeja algo mais contido e significativo “É um privilégio trabalhar assim, com poucos clientes e interações muito gratificantes.”. O empreendedor ainda afirma: “Menos escala, mais interação. Quero formar artesãos, manter o ofício vivo, e que um dia digam: isso começou aqui, em Laval.”

Hoje, Ivan Bornes encara o presente com a consciência de quem já viveu muitas vidas em uma só. E a próxima, ele já está desenhando. Com cimento, pigmento e uma bela dose de paixão.

* Estagiária sob a supervisão de Daniel Fernandes

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