Multimercado tem saques apesar de bom retorno; saiba os motivos

Os bons retornos exibidos pelos multimercados brasileiros no ano ainda não se traduziram em captação para os fundos. O investidor, que tradicionalmente olha pelo retrovisor e costuma encher os olhos quando vê boa performance, demonstra pouca disposição por alternativas consideradas de maior risco e quer saber só da renda fixa.
Em 2022, tal comportamento já se traduz em saques de R$ 75,4 bilhões, até 1º de agosto, segundo a Anbima, entidade que representa os mercados de capitais e de investimentos. Em 12 meses, a sangria beira os R$ 100 bilhões. No ano, os multimercados macro tinham retorno médio de 11,40% e os livres (com mais liberdade para as aplicações), de 5,71%. Mas há casos que extrapolam em muito esse desempenho, com rentabilidade de até 40,8%, caso do SPX Raptor, seguido pelo Vista Multiestratégia (39,11%), XP Macro Plus (29,1%), Asa Hedge (27,6%) ou Kapitalo Gaia (24,9%).
Tanto gestoras novatas, que se multiplicaram nos anos de juros para baixo, entre 2016 e 2021, quanto casas tradicionais têm sofrido desse mal depois que a trajetória monetária virou.
Pelo último ranking da Anbima, no primeiro semestre as assets dos grandes bancos perderam no conjunto R$ 14,4 bilhões nos seus fundos mistos, com destaque para Santander (8,4 bilhões), Bradesco (R$ 5,6 bilhões) e Itaú Unibanco (R$ 2,0 bilhões. A Caixa teve resgate de R$ 990,7 milhões, enquanto a BB Asset foi a única que atraiu dinheiro novo para a categoria no período, com R$ 2,3 bilhões.
BTG Pactual e XP Asset, que também se beneficiam de ter a própria distribuição via assessorias de investimentos, tiveram resgates de R$ 4,6 bilhões e R$ 4,9 bilhões, respectivamente.
Entre as casas independentes, a Verde, que reabriu seu principal fundo para captação no início do ano, aparecia na base de dados da Anbima com saques de R$ 7,1 bilhões. A JGP tinha resgates de R$ 3,5 bilhões; a Gávea com R$ 1,8 bilhão; a Truxt com R$ 2,1 bilhões; a Occam quase R$ 3 bilhões. A lista prossegue com AZ Quest (R$ 1,8 bilhão), Bahia Asset (R$ 2,5 bilhões), Dahlia (R$ 2,3 bilhões), Legacy (R$ 1,1 bilhão) e Adam (R$ 1,5 bilhão) para citar apenas as que estão entre os cem maiores patrimônios da indústria.
A competição com fundos de crédito, com papéis de dívida com isenção de imposto de renda e com os próprios títulos bancários parece estar por trás desse comportamento do investidor, diz Luiz Felippo, sócio da Nord Research. “Eu, na física, estou comprando mais. Se olhar a performance dos multimercados em 2021 não foi ruim, deram de 115% a 120% do CDI, mas também não foi extraordinária, enquanto os de crédito bons e sem volatilidade aparente para o cotista médio podem ser uma alternativa mais atraente.”
Pelos dados da Anbima, o tipo renda fixa duração alta grau de investimento, o de melhor desempenho no primeiro semestre, tinha retorno médio de 8,6% até junho.
Nas plataformas de investimentos não tem sido raro ver ofertas de CDB, LCI com taxa prefixada a 15%, 16% ao ano. “O investidor não pensa que o multimercado pretende entregar os 13% [do CDI] mais 5% ou acima disso, 18% ou 19%, essa conta não é feita, o resgate é muito por conta desse tipo de coisa”, prossegue Felippo. “Mas o momento de entrar é agora, capturar todo o CDI alto e mais o movimento de queda de juros depois. A volatilidade é dolorosa, mas o comportamento deveria ser contracíclico.”
O especialista cita ainda que, quando o CDI estava a 2%, para dar um resultado da magnitude atual, o gestor tinha que correr muito mais risco. Agora, o caixa já sai com o bônus de um referencial bem mais gordinho.
A falta de reação da captação dos multimercados é algo que intriga após os gestores navegarem bem por águas turbulentas, mas o investidor segue buscando a renda fixa, diz Renato Santaniello, chefe de soluções de investimentos da Santander Asset. No ano, os fundos de renda fixa captaram R$ 81 bilhões e em 12 meses essa conta soma R$ 154,6 bilhões, segundo a Anbima.
“O investidor olha para o retorno em 12 meses, essa é uma análise comum para decidir alocar em fundos. Mas os fundos alocam o caixa em LFT [títulos pós-fixados], e aos poucos vão ganhando com a Selic maior. E se ele compara o nível nominal das notas de crédito com o multimercado que ainda está acruando [refletindo] a taxa maior, acaba preferindo o retorno que enxerga. Não percebe que tem multimercado que vai ganhar dinheiro e muito acima do CDI”, diz Santaniello.
Contam-se nas mãos as gestoras independentes que estão captando e nos fundos de alocação ofertados na rede do Santander nota-se a mesma perda de tração, afirma Santaniello. Ele diz perceber algum fluxo positivo nas versões de previdência dos multimercados, com o lançamento de produtos mais aderentes à nova regulação e que ficam parecidos com os portfólios originais.
Para o especialista, é difícil dizer se o investidor entrou no risco errado. “O cliente é ainda muito guiado por performance, não tem a visão de balanceamento de risco, de manter a carteira com alocação em todas as classes com multimercados, bolsa, ativos no exterior. Parecem estar concentrando um pouco mais neste momento”, afirma. “Pode ter caso em que a performance não está ajudando, não entendeu o risco e quando tem uma fase negativa não segura a posição, esse é um movimento plausível.”
Com a sinalização do Banco Central (BC) de que pode encerrar a alta de juros em setembro, é de se esperar a queda das taxas futuras, o que costuma ser bom para ativos de risco como ações e multimercados. “Sair totalmente do risco é perder a oportunidade de recuperação”, acrescenta Santaniello.
Até a primeira pernada do Comitê de Política Monetária (Copom), em março de 2021, os multimercados seguiam captando, mas como a Selic continuou subindo e bateu a marca psicológica dos 10% e escalou para 13,75%, os produtos de maior valor agregado ficaram em segundo plano, diz Ricardo Eleutério, diretor da Bradesco Asset Management (Bram). Voltando no tempo, ele cita que em 2020 os fundos mistos cresceram 20% o dobro do setor, e no ano passado ainda tiveram expansão de 12%, ante 14% da indústria. Foi um período em que se viu a criação de novas gestoras de recursos e havia um claro apelo pela diversificação por causa dos juros que chegaram à mínima de 2%.
“A partir de um custo de oportunidade de 10%, 12%, 13% é bastante difícil e já tem mais asset aqui do que nos principais mercados mundiais, houve um fluxo grande para os multimercados com os juros no menor patamar da história”, diz Eleutério. O cenário mudou e o investidor que fez o caminho de volta para a renda fixa ficou fora da festa. “Quem não olhou para a diversificação talvez tenha perdido um dos melhores semestres da indústria [dos multimercados] macro.”
O executivo diz não perceber na rede do Bradesco a venda inadequada para clientes que talvez não tivessem tolerância às oscilações. “Tem mais relação com o prêmio da renda fixa, com um retorno de mais de 1% nominal e sem muita volatilidade”, diz Eleutério. “A gente volta a assistir o que viu num ambiente de taxas de juros altas no passado, com o investidor reduzindo a diversificação.”
Um alocador diz que é mais fácil explicar para o investidor a baixa das cotas de um fundo de ações, porque há uma relação direta com o desempenho da bolsa. Já no multimercado, por mais que o cliente na hora de aplicar diga que se trata de um recurso para o longo prazo, ele não tem paciência para atravessar as fases de cota negativa e acaba sacando e realizando um prejuízo, perde a recuperação.
Historicamente, o que tem sido relevante para atrair dinheiro para os multimercados são a performance passada e o ciclo monetário, com menor captação quando os juros estão subindo, diz Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da Guide Investimentos. Agora, o investidor parece estar dando mais peso ao segundo fator. “Com os juros muito altos, as pessoas estão evitando, não precisam correr risco e deixam na renda fixa”, afirma. “Há ainda um resgate grande, apesar da performance recente ser razoavelmente boa. A prosseguir assim, vai ser um dos piores anos da história para ações e multimercados, e um dos melhores para a renda fixa.”
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