São Paulo FC: narrativas que tentam esconder a realidade

Números financeiros já conhecidos sobre o São Paulo FC apresentam informações preocupações sobre a saúde do tricampeão da Libertadores

Todo mundo gosta de notícias boas. Disse (em off) o ex-ministro Rubens Ricupero que “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”, num momento de sinceridade em que ele mesmo admite o erro, mas que nos remete ao que hoje chamamos de uma espécie de ‘guerra de narrativas’.

Se falo antes, mais alto e com as pessoas certas, se tornará verdade mesmo que não seja exatamente verdade. No futebol esse comportamento é clássico. Na semana passada vimos dois desses momentos com as informações e declarações sobre o Cruzeiro SAF e o São Paulo FC.

Já comentei sobre o clube mineiro, agora vamos de paulista.

Números do São Paulo FC no conselho

Primeiro, ainda que o balanço de 2024 não tenha sido publicado, alguns números vazaram quando foram apresentados ao conselho deliberativo do clube, que geralmente apenas carimba e aplaude o que a gestão apresenta. E isso já há alguns bons anos.

 Se de um lado o clube do Morumbis apresentará uma receita recorde de R$ 731 milhões, e muito disso certamente é fruto do trabalho do marketing e do comercial, de outro virá acompanhada de um déficit – lembrando que associação tem déficit e não prejuízo – de R$ 278 milhões.

Além disso, foi indicado que a dívida ao final de 2024 teria chegado a assustadores R$ 968 milhões. Tudo isso a ser confirmado, analisado e eventualmente ajustado, assim que as demonstrações financeiras forem publicadas. Elas constarão do relatório anual sobre as finanças dos clubes, que deve ser publicado entre o final de maio e o início de junho.

Como esses números são horrorosos, o presidente Casares soltou uma nota no seu perfil pessoal – assim como Donald Trump, Casares adora uma rede social onde pode se expressar, quando deveria enquanto presidente usar as redes oficias do clube, ou da presidência no caso do mandatário americano – ressaltando o que é supostamente bom, e ignorando os problemas.

Ah, na esteira das boas novas veio o anúncio da renovação do contrato de patrocínio da casa de apostas, com um número gigante – R$ 1 bilhão! –, mas que na prática é de cerca de R$ 660 milhões e o restante são bônus de performance.

Vamos então analisar o que tem por trás dos poucos números e das narrativas.

SPFC: receita recorde

Se o número se confirmar, os R$ 731 milhões são relevantes, considerando que no passado não houve nenhuma grande negociação de atleta, então é possível que a receita recorrente seja relevante.

Mesmo sem a abertura dos dados dá para inferir que boa parte do crescimento veio das receitas comerciais, com casas de apostas, Morumbis, mais patrocínios.

Mas no final foi tão inócuo que o tema foi ofuscado pelo déficit e pela dívida. E o presidente nem foi capaz de abordar o tema.

Déficit: narrativas que escondem o problema da gestão

A partir das receitas e com R$ 278 milhões de déficit, a conta básica de soma e subtração não deixa erro: custos e despesas somaram R$ 1,09 bilhão. Isso mesmo: mais de R$ 1 bilhão em custos e despesas. E dá-lhe narrativa:

“Mantivemos um elenco competitivo”. Pergunte ao são-paulino se ele acha isso. Elenco competitivo não é necessariamente elenco caro, mas sim elenco equilibrado e estruturado da forma correta.

Ideia de jogo, que leva ao treinador adequado, que precisa de um elenco compatível. Ou seja, falta gestão esportiva para fazer mais, com menos. E faz tempo.

“Pagamento de juros”: Ué? Onde está a novidade? Com uma dívida gigantesca e talvez a maior divida bancária do futebol brasileiro, feita em grande parte pela gestão e grupo político atual, era mais que óbvio que as despesas financeiras seriam grandes. Tivesse gerido o clube de maneira eficiente e este argumento não viria à mesa.

Inclusive porque dizer que as dívidas são para cobrir “fluxo de caixa” é uma falácia. Fluxo de caixa é necessidade momentânea, a dívida vem e vai. No caso do São Paulo, a dívida só aumenta porque ela é estrutural, para cobrir buracos de orçamento, não gaps de fluxo de caixa. Narrativas, narrativas…

“Pagamentos de tributos, alguns oriundos da pandemia”: de novo, qual a novidade? As dívidas têm data de vencimento. Esses tributos foram pagos ou apenas registros que viraram dívida para ser paga em algum momento? De novo, peguem os clubes que entraram a pandemia organizados e vejam como estão hoje. Em 2025 e ainda responsabilizando a pandemia.

“Mudança no registro da base”: essa serve para todos os clubes. Era um erro da regra contábil que permitia ao clube “retirar” o custo da base das despesas e lançá-lo como intangível, que viraria “despesa” ao longo do tempo.

Por exemplo, o efeito das baixas de registros de atletas das categorias de base em 2023 foi de R$ 22 milhões. Ou seja, o impacto real foi de R$ 18 milhões entre o que se fazia até 2023 e o valor de 2024, o que representa 6% do déficit do ano.

Dívidas que não param de crescer

Se o clube fala em R$ 968 milhões de dívida é porque o valor efetivo é maior. Como falei na coluna sobre os resultados de Flamengo e Palmeiras, os clubes costumam usar o conceito de liquidez para tratar dívidas, e quando as contas são refeitas, o número é sempre maior.

A conferir.

E dívida não brota em árvore – nem dinheiro. Então, ela é fruto dessa gestão equivocada que sobrepassa gestões e não tem fim no São Paulo.

Plano de reconstrução do São Paulo

E daí temos mais narrativas. Nessa hora, em qualquer clube, é sempre igual: para esconder notícia ruim mostra-se uma notícia boa.

E eis que aparece o “contrato bilionário” de cinco anos com a casa de apostas e a declaração em redes sociais pessoais do presidente e não as do clube de que “já temos garantidos R$ 2 bilhões de recebíveis até 2030”, sem contar bilheteria, sócio-torcedor e venda de atletas.

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São Paulo FC é patrocinado por bet. Foto: Rubens Chiri/São Paulo Futebol Clube

Parece lindo, mas vamos lá: se dividirmos R$ 2 bilhões por cinco anos (2026 a 2030), estamos falando de R$ 400 milhões anuais.

Se usarmos uma média de R$ 100 milhões entre sócios e bilheteria, a conta vai a R$ 500 milhões. Patrocínios diversos, entre licenciamento de marca e ações menores, falamos em mais R$ 50 milhões. Logo, a conta vai a R$ 550 milhões. Temos o social e o estádio com mais R$ 100 milhões; e a conta vai a R$ 650 milhões de receitas anuais estimadas para os próximos anos, a valores de hoje.

Ou seja, ceteris paribus – sempre quis usar essa expressão num texto, que se aprende na primeira aula de economia básica –, estamos falando de R$ 650 milhões potenciais contra R$ 731 milhões de receitas de 2024. “Wow!”, diria surpreso algum locutor esportivo.

Te surpreende? A mim, não.

Narrativas que se criam para mostrar que está tudo bem. E que são ampliadas pela ideia de que “se tivesses vendido mais atletas seria melhor”.

Quais atletas?

As melhores vendas recentes foram divididas com outros clubes – Beraldo – ou revendas – Antony – e não formações recorrentes.

Ah, mas a narrativa diz que “o investidor grego chegará colocando bilhões na base e não precisaremos vender o clube”.

Ou seja, mais um efeito esporádico para salvar o clube, e não ações de reconstrução real, corte de custos, otimização das estruturas, mudança completa e radical das pessoas e do sistema político do clube, para oxigenar e levar ideias que tornem o São Paulo FC novamente vanguarda.

Posso mostrar isso para quase todos os clubes no Brasil.

O sistema é individualista, baseado em egocentrismo, arcaico. Falei na semana sobre uma SAF, agora uma associação, e se adicionarmos nomes de outros clubes e SAFs e embaralharmos com o que está descrito acima, teremos o mesmo resultado.

O futebol brasileiro ainda acredita que se transformará na Premier League.  Tem potencial – marcas, torcida, interesse – para se tornar uma liga relevante.

Uma pena que no cenário atual tem mais é que se preocupar com o cometa.

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