Por que a digitalização dos serviços financeiros esbarra em entraves

A transformação tecnológica que tem impactado nos últimos anos a vida das pessoas, das empresas e dos governos em seus mais diferentes aspectos é um elemento de inclusão social? E quando se fala no mundo dos serviços financeiros, a digitalização – que tem aberto caminho para novos atores e ferramentas – pode ajudar a dar acesso a mais pessoas a serviços como crédito, pagamentos e poupança?
No livro “Finance with a Purpose – FinTech, Development and Financial Inclusion in the Global Economy” (editora World Scientific, sem edição prevista para o Brasil), Frederic de Mariz traz uma oportuna reflexão sobre o tema, que tornou-se central na gestão de bancos e reguladores.
O ponto de partida do livro é que, além de gerar ganhos de qualidade e eficiência, a transformação digital dos serviços financeiros traz consigo uma promessa: a de que mais cidadãos terão acesso a esses serviços. A grande pergunta a ser respondida é como essa promessa pode se tornar realizável.
Apesar dos avanços, os números ainda mostram muitos desafios pela frente. Cerca de 1,7 bilhão de adultos no mundo permanecem de fora do setor financeiro, sem conta em uma instituição financeira. Em 2014, esse número era de 2 bilhões. Hoje, 69% dos adultos têm uma conta, contra 62% em 2014 e 51% em 2011. Essas estatísticas variam de acordo com questões como gênero, idade, escolaridade e renda.
O desafio é ainda maior no casos de países emergentes, onde os níveis de inclusão e qualidade dos serviços ainda são baixos, enquanto os preços são elevados. E as instituições financeiras têm de lidar com volatilidade na política e na macroeconomia, informalidade, esquemas de fraude e até violência física.
No livro, Mariz reconhece que, por trás de cada inovação, há dores que precisam ser tratadas. Um dos exemplos é o Open Banking, que, para Mariz, representa uma bem-sucedida mudança de abordagem em que o cliente passa a estar no centro da estratégia. Essa é uma ferramenta de modernização dos bancos e aumento de concorrência.
Ao mesmo tempo, o compartilhamento de dados carrega os desafios da inoperabilidade. E se a possibilidade de definir melhor o perfil dos clientes abre espaço para custos menores, ela também traz uma discussão sobre neutralidade dos sistemas de pontuação, privacidade e vigilância. Sem falar no aumento do risco de fraude e vazamento de dados.
Também estão entre os tópicos de análise as mudanças nos meios de pagamento; a experiência do microcrédito; as perspectivas de uso das criptomoedas; e o futuro dos bancos nesse novo cenário. O papel dos reguladores, cujo desafio cresce sensivelmente com a digitalização, é outro tema abordado.
Para tanto, Mariz entrevistou empreendedores de alguns dos grandes nomes do mundo digital, como David Vélez, do Nubank, e João Vitor Menin, do Inter. São depoimentos que, combinados com a experiência do autor no mercado financeiro, dão um respaldo da vida prática às análises teóricas, que passam pelos campos da economia, finanças e direito. Combinação que torna a leitura dinâmica e cheia de contexto.
O livro será usado por Mariz em suas aulas sobre ESG (Environmental, Social e Governance) como professor nos cursos de pós-graduação e mestrado na Universidade Columbia, em Nova York. E é fruto de pesquisas e observação do setor ao longo de 20 anos de experiência em instituições financeiras globais, na maior parte do tempo em mercados emergentes. Atualmente, ele atua como diretor-executivo e especialista em ESG no UBS BB.
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