O efeito fantasma das tarifas

A pergunta que o investidor deve se fazer a partir de agora na guerra das tarifas é: 'Eu consigo dormir com a minha carteira atual?'

Uma vez ouvi o seguinte: “Se você fosse guardar 10 mil numa mala para abrir daqui a 10 anos, você preferiria guardar 10 mil reais ou 10 mil dólares?”.

Não é novidade que o dólar americano funciona para o resto do mundo como um ‘grande fundo hedge‘ ou um ‘grande seguro’. Isso atrai capital estrangeiro para os Estados Unidos a baixo custo.

Essa vantagem permite que o país mantenha déficits substanciais. No entanto, as ações de Trump podem ameaçar esse privilégio exorbitante, enfraquecendo a confiança global na capacidade dos EUA de continuar financiando seus déficits com facilidade.

As tarifas de Trump

As tarifas de Trump não são apenas medidas protecionistas ou populistas, mas uma tentativa de reconfigurar o sistema financeiro global.

Trump tem um histórico (desde os anos 1980) de aversão aos déficits comerciais e vê as tarifas como uma retomada do fluxo global de capitais e comércio.

As tarifas impostas por Donald Trump podem ser uma distração estratégica para pressionar parceiros comerciais a renegociar termos mais favoráveis aos Estados Unidos. Essa postura se encaixa em uma tentativa maior de encerrar, após 75 anos, o sistema de Bretton Woods, redefinindo o papel dos EUA na economia global.

Porém, se as políticas comerciais causarem rupturas nos fluxos financeiros internacionais, os custos de financiamento para os EUA podem subir e o Fed pode ser forçado a intervir.

Tarifas: um discurso conveniente

A aplicação de tarifas funciona, muitas vezes, como um discurso conveniente – uma bandeira fácil de levantar em ano eleitoral. Mas, enquanto o foco se concentra em políticas comerciais, questões estruturais gravíssimas permanecem em segundo plano.

O sistema bancário americano é uma delas. Não se trata de uma ameaça distante, mas de uma fragilidade presente e silenciosa.

Desde 2023, muitos bancos regionais continuam operando com prejuízos contábeis relevantes porque não mostram a marcação a mercado dos títulos que estão em sua carteira – uma medida emergencial que, ao se tornar regra, mascarou riscos reais.

Enquanto o discurso político foca nas tarifas sobre veículos elétricos ou semicondutores, dezenas de instituições financeiras estão tecnicamente insolventes. O foco excessivo nas tarifas desvia a atenção do debate sobre como restaurar a saúde do sistema bancário, repensar a política monetária e lidar com o impacto cumulativo da alta de juros.

Muitos dos bancos regionais (como era o SVB) detêm grandes carteiras de ativos de longo prazo que foram duramente desvalorizadas pela alta das taxas de juros nos EUA, se tornando incapazes de operar com eficiência ou financiar adequadamente a economia real.

Enquanto os Estados Unidos se debatem entre estímulos fiscais ineficazes e políticas monetárias travadas, outras potências estão se preparando para gastar pesadamente em defesa, infraestrutura e inovação – mesmo que isso eleve os níveis de endividamento.

O BCE chegou a afirmar que investimentos em defesa equivalem a investimentos em produtividade. É uma justificativa ousada para um ciclo de endividamento que promete reaquecer preços globalmente.

Qual pergunta o investidor atento deve fazer?

O investidor atento não deve apenas observar o preço do ouro ou os juros futuros, mas se perguntar: “Eu consigo dormir com minha carteira atual?”.

Esse tipo de avaliação qualitativa – que foge das métricas tradicionais de risco e volatilidade – pode ser o diferencial entre preservação e exposição excessiva.

Se tarifas e promessas de ‘guerra econômica’ com a China são o palco visível, a verdadeira peça está sendo encenada nos bastidores – fragilidade bancária, dívida pública insustentável, estagflação, e um plano político que ameaça não apenas os mercados, mas o próprio funcionamento da economia real.

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