Investimentos da China no Brasil acirram disputa pelo bolso do brasileiro

A montadora GWM, a plataforma de delivery Keeta, e a rede de fast-food Mixue. Além de serem todas chinesas, o que essas empresas têm em comum? As marcas anunciaram investimentos no Brasil nos próximos meses como parte de um pacote de R$ 27 bilhões de investimento da China no País. O acordo foi firmado durante a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Pequim.
Mas, ao contrário de outras vezes em que o capital chinês cruzou oceanos, a aposta é conquistar espaço no bolso do brasileiro.
O acordo de investimentos entre China e Brasil marca uma nova etapa para marcas chinesas. E reflete hoje, segundo especialistas, a briga do país asiático para se consolidar como uma potência em tecnologia ao invés de expoente de produtos baratos.
O ‘made in China‘ diferente vai mexer com a economia do Brasil?
O que vai mudar no Brasil com o novo investimento da China?
O saldo da visita da comitiva do governo federal em Pequim resultou em um acordo de R$ 27 bilhões que se divide em infraestrutura, tecnologia, setor automotivo, saúde e energia.
A GWM (Great Wall Motors) deve construir uma fábrica no Brasil a partir de um investimento de R$ 6 bilhões para abrir sua fábrica em Iracema, no interior de São Paulo. O acordo entre a montadora de carros no estilo SUV prevê a criação mínima de 800 vagas de emprego.
Mais vagas podem abrir, segundo o fundador e chairman da GWM, Jack Wey, para até 2 mil funcionários.
No ramo de tecnologia e serviços, a Meituan, dona do aplicativo de delivery Keeta, deve entrar no Brasil com orçamento de R$ 5,6 bilhões. O governo federal condicionou a chegada da empresa no mercado brasileiro à abertura de uma central no Nordeste, onde devem ser gerados de 3 a 4 mil empregos diretos.
Outro destaque foi a Mixue, mais uma a pisar no Brasil pela primeira vez. A rede de fast-food rivaliza hoje com o McDonalds em tamanho, deve investir R$ 3,2 bilhões no País. E, sobretudo, gerar 100 mil empregos até 2030, segundo o governo federal.
Ainda no acordo de investimentos entre China e Brasil, a GCN, gigante chinesa de energia renovável e dona da Actis, uma das principais acionistas da Serena Energia, deve aportar R$ 3 bilhões na criação de um parque de energia solar e eólica no Piauí.
A China mudou e a razão de investir no Brasil também
A economia da China mudou e, com isso, os investimentos no Brasil refletem a intenção do país de ocupar o lugar dos Estados Unidos como colosso da tecnologia no mundo.
Continuaram os tradicionais investimentos em ferrovias, usinas e infraestrutura. Mas agora a China quer um pedaço do bolso do brasileiro com gastos do cotidiano. Pelo menos é esta a avaliação de Alexandre Uehara, professor do curso de Relações Internacionais da ESPM.
“Esses investimentos da China no Brasil marcam uma mudança de perfil”, destaca o especialista. “Tivemos os investimentos mais tradicionais em automóveis, por exemplo. Mas até nisso enxergamos uma mudança de patamar do carro mais popular para uma categoria superior”, segue.
É a diferença entre a BYD para a GWM, cujo foco é a venda de SUVs.
“São mais investimentos em serviços, tecnologia e produtos de alto valor agregado”, argumenta Uehara.
Tanto Keeta quanto Mixue querem competir com iFood e McDonalds, por exemplo, pelo bolso do brasileiro. São gastos com pedidos e restaurantes feitos no dia a dia.
O CEO da Meituan, Wang Xing, reconhece em comunicado que o investimento do Brasil é uma forma de a Keeta “atender melhor ao consumidor local”, atrás de um mercado de alto potencial. Sobretudo, a ação expande a influência da China sobre o País.

Mas há críticas a esse modelo de investimento da China no Brasil.
Paulo Feldmann, professor da FEA-USP e pesquisador pela universidade de Fudam, em Xangai, afirma que apesar de ser considerado positivo para gerar empregos, o retorno é maior para o cofre das empresas chinesas.
E essas empresas chegam para acirrar a concorrência. O quanto elas terão sucesso nisso?
“(Os chineses) vão jogar pesado”, diz Feldmann. “Basta olhar o que a BYD conquista no Brasil. Eles têm experiência monumental na entrega de comida, com a Keeta, por exemplo.”
China quer mais espaço nos portos: o que esperar?
Além dos apps, a China quer mais espaço nos portos públicos do Brasil.
Pelo menos R$ 5 bilhões de investimentos de companhias chinesas foram acordados entre Brasília e Pequim na visita de Lula à China. Além de sinalização de empresas para participar do leilão do túnel submerso que ligará Santos ao Guarujá, no litoral de São Paulo.
O principal problema dos portos brasileiros é hoje o processo de dragagem. Trata-se da remoção de sedimentos para permitir que navios atraquem.
Hoje, quem tem o maior navio do mundo para fazer dragagem é a China, batizado de Junlang, capaz de cavar em 25 metros de profundidade.

Roberto Guimarães, diretor de Planejamento e Economia da ABDIB (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base), diz que os chineses devem alocar parte do investimento em dragagem.
“É um dos maiores desafios da logística portuária para que grandes navios possam atracar, trazendo mais mercadoria”, afirma.
Além disso, parte do orçamento, antecipa Guimarães, deve ir para retirar “cargas especiais”, como pás de turbinas eólicas e geradores, de navios que atracam no Brasil.
De acordo com dados da ABDIB, o Brasil tem 500 projetos de infraestrutura planejados cuja demanda de financiamento alcança R$ 800 bilhões.
“A cada dólar investido em infraestrutura, são gerados entre 20 e 30 empregos, além multiplicar a renda média”, diz Guimarães.
Mas, em infraestrutura, chineses devem continuar sendo mais discretos nos investimentos, como é de costume. Geralmente empresas do país asiático formam consórcios com parceiras brasileiras ou procuram gestoras de investimento para formarem fundos dispostos a investirem em obras.
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