Empréstimos que têm o saque-aniversário como garantia chegam a R$ 76,8 bilhões

Os números mostram que mais de um quarto dos trabalhadores do país aderiu à modalidade de saque do FGTS criada no governo de Jair Bolsonaro

Foto: Leo Pinheiro/Agência O Globo

A proposta do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, de acabar com o saque-aniversário do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pode impactar a atividade econômica e gera dúvidas aos cerca de 29 milhões de trabalhadores que aderiram à modalidade, especialmente aos 12,1 milhões deles que pegaram empréstimos dando os recursos como garantia. Segundo a Caixa Econômica Federal, já foram contratados R$ 76,8 bilhões neste modelo de crédito.

Os números mostram que mais de um quarto dos trabalhadores do país aderiu à modalidade de saque do FGTS criada no governo de Jair Bolsonaro. Hoje, em torno de 107 milhões de brasileiros têm conta ativa no Fundo.

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Para Marinho, o FGTS tem de ser uma poupança para o trabalhador, para socorrê-lo no momento da “angústia do desemprego”. Na proposta do ministro, no entanto, não há detalhes sobre o que pode acontecer com as pessoas que pegaram empréstimo e se comprometeram por até cinco anos com os saques-aniversário para quitar o financiamento.

Dentro do governo, o entendimento é que a extinção do saque-aniversário pode ser feita por medida provisória (MP), ou seja, entraria em vigor imediatamente, antes da análise de deputados e senadores. Oficialmente, contudo, a Casa Civil informou que a proposta de Marinho não foi tratada na pasta pelo ministro Rui Costa.

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O Ministério da Fazenda não quis comentar. Também procurado, o Ministério do Trabalho não deu retorno até o fim do dia de ontem.

Para analistas, o fim do saque-aniversário deve promover impacto negativo na atividade no curto prazo, já que o mecanismo foi uma das formas utilizadas pelo governo Bolsonaro para injetar recursos na economia.

O estímulo ao uso do FGTS, inclusive, é um dos fatores apontados pelos especialistas para a melhora dos indicadores de atividade ao longo de 2022 e para a postergação dos efeitos negativos na economia da política monetária mais restritiva que vem sendo adotada pelo Banco Central (BC).

Consumo será afetado

Ainda assim, especialistas ressaltam que o instrumento do saque-aniversário desvirtua o propósito inicial do FGTS, que é garantir proteção ao trabalhador em caso de demissão sem justa causa.

Juliana Inhasz, professora de Economia do Insper, destaca que o saque-aniversário funcionou como uma fonte de recursos para a economia quando muitos trabalhadores não tinham renda, sendo um instrumento importante para o pagamento de contas e aquisição de bens de consumo.

“Hoje cerca de 25% da população economicamente ativa aderiram a essa modalidade. Nós estamos falando de um recurso que vai deixar de entrar na economia, num momento de recuperação ainda lenta. Isso pode desacelerar a retomada da atividade.”

Ela destaca que setores ligados ao consumo, como varejo, devem sofrer os impactos mais diretos e há possibilidade de aumento da inadimplência.

“As pessoas estavam retirando esses recursos para pagar dívidas e comprar eletroeletrônicos, roupas, efetuar reformas. Se realmente essa ideia evoluir, muitas pessoas ou deixarão de pagar suas dívidas ou precisarão recuar no consumo para redirecionar recursos para esses pagamentos.”

O economista e professor de MBAs da FGV Robson Gonçalves concorda que o fim da modalidade pode gerar um impacto negativo sobre o consumo. No entanto, ressalta que a modalidade descaracteriza a função inicial do fundo de proteção ao trabalhador em caso de demissão e de incentivo a programas de habitação popular e infraestrutura.

“Como o governo anterior descuidou do programa habitacional, passou a utilizar recursos do FGTS para estimular consumo. Mas é uma medida artificial, teria fôlego curto e estava sendo muito utilizada para pagamento de dívidas. Não se faz crescimento econômico com saque-aniversário do FGTS, mas com redução da incerteza e estímulos à criação de empregos. O FGTS estava sendo dilapidado por medidas de curto prazo, o que comprometia o crescimento de longo prazo e a construção civil.”

Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) mostram que 78,9% das famílias estavam endividadas em novembro. Na média, o brasileiro precisou gastar 30,4% de toda a sua renda para quitar dívidas, sem contar as contas de consumo. Ao mesmo tempo, a inadimplência chegou a 30,3% das famílias.

Guilherme Mercês, diretor de Economia e Inovação da CNC, concorda que retirar o benefício pode ser um entrave para o consumo das famílias e também para a redução das dívidas.

“O endividamento das famílias já estava apertando o orçamento. Depois da pandemia, ficou ainda mais caro atrasar o pagamento por conta do aumento na taxa de juros. Sem mais essa alternativa para manter o consumo imediato, a expectativa é de mais endividamento e inadimplência.”

Favorável à manutenção do saque-aniversário, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) informou, em nota, que já está conversando com Marinho sobre o tema: “O saque aniversário, além de ser uma importante fonte de renda para milhares de trabalhadores, oferece a oportunidade de reinserção no consumo para parte desses beneficiários que hoje se encontram com restrições ao crédito”.

Segundo a entidade, cerca de 70% dos usuários dessa linha “estão negativados e não têm acesso a outra fonte de crédito”.

Outras vias de recursos

Na avaliação do professor da FIA Business School, Carlos Honorato, o novo governo deve tentar equalizar a retirada do benefício com outras medidas, como a recomposição do Fundo para a concessão de empréstimos imobiliários.

“Há um grande receio em descapitalizar o financiamento imobiliário, que é uma fonte importante de geração de emprego. O governo deve tirar o benefício enquanto disponibiliza outras possibilidades de recursos, como empréstimos para micro e pequenas empresas. O efeito imediato deve ser compensado por outras medidas.”

Já na opinião do presidente do Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, Mario Avelino, o fim do saque-aniversário é uma boa notícia, porque o dinheiro retirado costuma fazer falta em caso de demissão.

“O dinheiro do saque-aniversário entra e movimenta o comércio, mas o Fundo de Garantia já coloca uma média de R$ 200 bilhões na economia por ano.”

Outro agravante, segundo Avelino, é o saque-aniversário ter como destino o sistema financeiro.

“Os bancos fazem empréstimos de cinco anos, tendo o benefício como garantia. O risco para as instituições financeiras é zero, porque há uma análise do saldo do Fundo de Garantia e só então é oferecida a possibilidade de crédito. Mesmo se o trabalhador for demitido, a instituição vai sacar integralmente o dinheiro tomado.”

Se a modalidade de saque do FGTS tiver fim, o especialista acredita que o montante que já está comprometido deve ser honrado. E o governo federal passaria a não aceitar novas adesões.

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