Afinal, a influência do dólar está em risco?

Os Estados Unidos desfrutaram há muito tempo de uma posição privilegiada, com o dólar servindo como moeda de reserva global

O caos em que está imersa a política comercial dos Estados Unidos, com sua lógica econômica questionável e metodologia peculiar, prejudicou a “marca” do dólar americano, avaliam os estrategistas de câmbio do HSBC. De acordo com a instituição financeira, a moeda passou de uma posição de força, que poderia se beneficiar do tema do “excepcionalismo americano”, para uma posição de fraqueza, afetada pela incerteza das políticas e pela perda da atratividade do ativo como um porto seguro. Assim, a visão de médio prazo do HSBC para a divisa passou de otimista para pessimista, e há poucas razões para esperar qualquer força de curto prazo.

“As expectativas de crescimento do PIB dos EUA estão caindo — juntamente com outras geografias —, mas o dólar perdeu seu fascínio de ativo de proteção que, de outra forma, permitiria que ele capitalizasse com a deterioração das perspectivas de crescimento global. A moeda está operando com um desconto em relação aos níveis implícitos nos diferenciais das taxas de juros, um contraste marcante com o prêmio observado antes do “Dia da Libertação”, afirmam os estrategistas Daragh Maher, Paul Mackel, Nick Andrews, Lenny Jin e Joey Chew, do HSBC.

Para eles, no período que antecedeu o “Dia da Libertação”, em 2 de abril, o dólar estava sendo negociado em termos mais valorizados do que o implícito pelo diferencial das taxas de juros — um prêmio em dólar que refletia o impacto de alta esperado das tarifas e a perspectiva de cortes de impostos e desregulamentação.

“Agora isso mudou para um desconto, com o dólar incapaz de capitalizar o aumento dos rendimentos dos títulos. De fato, o dólar (e os ativos dos EUA em geral) estão passando por uma reavaliação significativa pelos mercados financeiros, criando até mesmo a rara combinação de ações, títulos e moeda dos EUA mais fracos no mesmo dia”, notam.

Para o HSBC, a queda do dólar foi amplificada pelo forte recuo nas expectativas de crescimento dos EUA, uma vez que os economistas incorporam impostos de importação mais altos (e o aumento das importações no primeiro trimestre – que pode, reconhecidamente, ser revertido). “O dólar está agora muito abaixo até mesmo da trajetória de baixa observada durante a primeira presidência de Trump”, apontam.

“Esperamos que a fraqueza do dólar persista. Os fatores tradicionais perderam as correlações sobre o dólar. Quando analisamos os diferenciais de taxas, o apetite pelo risco, os preços das commodities ou os fluxos de investimento, nenhum deles oferece uma explicação significativa para os recentes movimentos da moeda. O caos político foi o gatilho para a destruição contínua da marca e não há evidências de que tenha sido encontrado um novo equilíbrio para a política comercial dos EUA”, afirmam.

De acordo com os estrategistas, é provável que haja mais mudanças tarifárias, isenções podem expirar e outras podem ser acrescentadas. Também não está claro qual será o resultado das negociações comerciais em andamento e a complexidade que qualquer compromisso em nível nacional poderá ser alterado.

“Também parece improvável que a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) de 7 de maio mude o humor do mercado, já que a provável pausa na política está praticamente precificada. O mercado pode esperar que haja alguma orientação sobre quais serão as prioridades da política monetária após esse choque no lado da oferta para as perspectivas de crescimento e inflação. Não está claro se o Fomc terá um grande impacto sobre o dólar, dada a diferença entre as taxas e a moeda. O DXY ficou abaixo de 100 pontos recentemente. Suspeitamos que ele permanecerá, em sua maior parte, em território de dois dígitos nas próximas semanas”, concluem.

O HSBC espera que a fraqueza do dólar frente ao euro e ao iene japonês persistam, mas prefere exprimir essa visão por meio de uma posição comprada na divisa comum frente ao franco suíço, que tem sido a estrela do desempenho após o “Dia da Libertação”.

Rebaixamento do dólar

À medida que os Estados Unidos implementam a política comercial de Donald Trump e os investidores enfrentam as implicações causadas pelas tarifas, como o aumento das expectativas de inflação e enfraquecimento da economia americana, a Pimco rebaixou sua recomendação para o dólar para “underweight” — sugestão de redução de exposição a certo ativo.

Com a guinada americana para uma política comercial protecionista, os economistas Marc Seidner e Pramol Dhawan explicam que os EUA estão dando aos investidores motivos para revisar o cenário de investimentos no país. “Basta observar a recente queda paralela do dólar, das ações americanas e dos títulos do Tesouro — uma combinação mais frequentemente associada a economias emergentes (EM)”, disseram.

A Pimco recomenda aos investidores a reduzir a exposição ao dólar, na medida em que os EUA possuem a maior posição de investimento internacional líquida negativa (NIIP) financiada por capital global. “Com a reestruturação, o dólar pode enfraquecer”, disseram.

“Até agora, esta é uma ferida autoinfligida pelos EUA. O dólar só começou recentemente a enfraquecer estruturalmente. O sentimento e o desempenho do mercado podem se reverter rapidamente se houver uma mudança para políticas comerciais americanas menos disruptivas — e mais previsíveis”, disse a Pimco.

Caso as empresas americanas sejam forçadas a produzir bens internamente e deslocar suas cadeias de suprimentos para fora da China, os custos de produção subirão, resultando em menor produtividade e preços mais altos, explicam Seidner e Dhawan.

Esse cenário obriga o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) a traçar uma política monetária em um caminho árduo, onde há a necessidade de equilibrar as expectativas de inflação mais altas e as projeções de crescimento mais baixas.

“Hoje, o apoio fiscal dos EUA parece menos provável — não por opção, mas por uma capacidade limitada de assumir mais dívidas. Essa era de tensões geopolíticas pode significar muito menos coordenação de políticas globais do que nas crises anteriores”, acrescentaram.

Apesar dos impactos em ativos americanos, a política comercial de Trump tem valorizado moedas em outras regiões, o que tem aliviado as pressões inflacionárias nestes locais, permitindo ao Banco do Japão e ao Banco Central Europeu, por exemplo, a adotar uma postura mais dovish (tendente aos juros mais baixos).

Neste contexto, a gestora também sugere favorecer operações que se beneficiam com o aumento da inclinação da curva de juros, além de aumentar a exposição aos mercados de renda fixa global, como Europa, mercados emergentes, Japão e Reino Unido.

Os economistas da Pimco acrescentam que, caso os fluxos de capital global para ativos americanos siga diminuindo, isso pode sinalizar um mundo com menor dependência de uma única moeda de reserva. “Os EUA desfrutaram por muito tempo de uma posição privilegiada, com o dólar servindo como moeda de reserva global e os Treasuries como o principal ativo de reserva. No entanto, esse status não é garantido”, disseram.

Seidner e Dhawan também explicam que a posição dos Estados Unidos como um país importador e provedor de segurança internacional levou as demais nações a poderem se preocupar com a criação de poupanças em dólar, o que elevou os ativos americanos ao status de reservas de segurança e à tese de excepcionalismo dos EUA. As tarifas, no entanto, podem romper com essas concepções, levando o financiamento dos déficits duplos — conta corrente e fiscal — a serem uma tarefa mais desafiadora.

Com informações do Valor Econômico

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