‘BC vai ter que subir juros no ano que vem’, diz ex-diretor

Deterioração fiscal levará à necessidade de o Banco Central agir em meados do ano que vem, segundo diretor de macroeconomia da ASA

Kanczuk: “ Vendo essa coisa desesperadora, como os preços estão tão tranquilos?” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Kanczuk: “ Vendo essa coisa desesperadora, como os preços estão tão tranquilos?” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Diante dos sinais de que a trajetória da dívida brasileira deve entrar em uma dinâmica ainda mais alarmante e da composição da equipe do futuro governo, a reação relativamente contida até o momento dos ativos financeiros surpreende o diretor de macroeconomia da ASA Investments, Fabio Kanczuk. “Olhando essa situação e vendo essa coisa desesperadora, como os preços estão tão tranquilos assim?”, questiona o ex-diretor de política econômica do Banco Central, em entrevista ao Valor.

Na visão de Kanczuk, houve uma deterioração relevante do problema fiscal brasileiro, que levará o Banco Central a reagir em meados do próximo ano, podendo elevar a Selic para a casa dos 16%. Para ele, com um impacto fiscal da ordem de R$ 200 bilhões, oriundo da PEC da Transição, o governo não deve sequer conseguir construir uma narrativa capaz de sinalizar que a evolução da dívida entrará em uma trajetória sustentável.

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“Acho que vai ser necessária uma mudança nos preços [dos ativos]”, diz Kanczuk, para uma mudança na postura do governo. Nesse sentido, ele cita, além da Selic em 16%, o câmbio em R$ 6 por dólar e a bolsa em 80 mil pontos.

Valor: As discussões sobre a política fiscal tiveram alguma influência nas expectativas de vocês para a política monetária em 2023?

Fabio Kanczuk: Nós mudamos muito a nossa expectativa durante novembro. Antes, o mercado estava falando em cortar juros no segundo semestre, mas a nossa cabeça era que poderia ser antes, porque os novos estímulos chegariam ao fim, a atividade desaceleraria fortemente, haveria uma mudança na inflação e o Banco Central poderia reduzir juros em março, maio… Era o cenário que se desenhava. Mas, em meados de novembro, notamos que o perfil do governo era diferente daquilo que imaginávamos por causa da escolha da equipe, da proposta da PEC, dos discursos feitos… O problema fiscal ganhou uma magnitude maior do que nós esperávamos e aí migramos de um extremo para o outro. Se antes esperávamos uma redução mais cedo nos juros, agora acreditamos que o BC vai ter que subir juros em meados do ano que vem. A direção é de alta de juros. Sai dos 13,75% de agora e pode parar em 16%, algo dessa ordem.

Valor: Então houve uma deterioração grande das expectativas de vocês para as contas públicas…

Kanczuk: Uma coisa está nas projeções das contas públicas e outra é a formação da equipe. A equipe envolve jogo de reputação. E a escolha da equipe surpreendeu. Isso por si só já vai gerar um custo fiscal. Metade do custo está na equipe e a outra metade está nos números. No nosso cenário anterior, acreditávamos que o governo Lula teria responsabilidade fiscal e que iria intervir de forma indireta na política monetária por meio da política microeconômica que ele gosta, através do BNDES. Alavancaria o BNDES, começaria a dar crédito, mudaria a TLP e, com isso, o juro neutro subiria para 6% [em termos reais]. E aí nós pensávamos que o governo faria um aumento dos gastos e tentaria compensar com alguma outra coisa. O desafio já seria grande, porque seria preciso fazer um superávit de 3 pontos percentuais do PIB. No entanto, quando você faz uma PEC de R$ 200 bilhões, o seu déficit seria próximo a 2% do PIB. O problema que seria de R$ 250 bilhões a R$ 300 bilhões passou a ser R$ 450 bilhões a R$ 500 bilhões. Não dá. A sensação que eu tenho é a de que as pessoas ainda não estão fazendo essa conta e, quando começarem a fazer, em especial os estrangeiros, a situação vai mudar.

Valor: O comportamento dos ativos locais, então, está tranquilo?

Kanczuk: Brutalmente tranquilo. E é por isso que estamos coçando nossa cabeça agora. Olhando essa situação e vendo essa coisa desesperadora, como os preços estão tão tranquilos assim? Teve um nervosismo, mas acredito que foi mais porque alguns fundos mudaram de posição. Teve uma reação superforte no mercado de juros, mas até teve uma devolução do estresse.

Valor: O real, embora pior que os pares, tem mostrado resiliência…

Kanczuk: A pergunta é essa: por que o câmbio e outros ativos, como a bolsa e os juros, estão tão tranquilos? O câmbio tem um fator particular, porque duas coisas seguram. Uma é o ‘valuation’, o valor justo do câmbio, que está em algo como R$ 4,80 por dólar. O valuation puxa para baixo. A outra coisa é o diferencial de juros entre Brasil e Estados Unidos, que é de quase dez pontos percentuais. É muito duro apostar contra o real. É uma questão do dólar em particular. Mas a bolsa também está super tranquila… Os juros estressaram, mas voltaram um pedaço bom. O meu chute é de que isso é mais por causa dos estrangeiros do que dos brasileiros. A maioria dos [investidores] brasileiros está pessimista, mas os estrangeiros não perceberam a gravidade da situação. Quando se trata de política eles costumam ser mais defasados mesmo e isso se somou ao fim de ano. Acho que os estrangeiros estão segurando, mas em um segundo eles aprendem e mudam o jogo. É o meu chute.

Valor: Neste momento, a barra do Banco Central para subir juros parece alta. O sr. espera, então, uma deterioração significativa dos ativos e das expectativas?

Kanczuk: Exato. Para mim, o que tem que acontecer é uma deterioração dos preços e, em particular, as expectativas de inflação. Mesmo que o dólar não suba muito, as expectativas do Focus têm que andar. Essa é a melhor métrica para podermos observar o que vai acontecer com a política monetária. E, nesse caso, seriam as expectativas de inflação longas, de 2024, 2025… Quando essas expectativas começarem a subir, aí o BC muda.

Valor: E como ocorreria essa mudança na comunicação do BC?

Kanczuk: O sinal teria que mudar bastante ainda antes dos juros começarem a subir. Se as expectativas de inflação começarem a desancorar, a primeira coisa que o BC faz é mudar o balanço de riscos. Eles falam que está simétrico. Teriam que mudar e falar que o balanço de riscos está assimétrico por causa do risco fiscal e, aí, não poderiam cortar os juros. Depois, eles puxariam a projeção de inflação para cima e, daí, teriam que começar a subir juros. Tem várias reuniões do Copom pela frente…

Valor: Pelo tom das perspectivas, parece que já não tem muita confiança de que a âncora que o governo eleito apresentar possa amenizar o problema fiscal…

Kanczuk: Sempre você pode reverter, mudar a equipe, fazer cortes… Mas tenho a impressão de que não vai dar para reverter a atitude e a equipe não vai conseguir contar uma história [de sustentabilidade da dívida]. Acho que vai ser preciso uma mudança nos preços. Os preços terão de ser completamente diferentes: mercado de juros muito mais nervoso; bolsa cai… Não vai ter uma história antes disso acontecer. Uma hora conserta, mas, no curto prazo, estamos indo para essa direção mesmo, sem que haja uma reversão fácil.

Valor: E, na sua visão, com um juro neutro mais alto também…

Kanczuk: Antes, nós achávamos que o juro real neutro subiria de 4% para 6% por causa de uma possível mudança na TLP, não por causa do risco fiscal. Quando avaliamos a situação de agora, achamos que o juro neutro já está acima de 5% por causa do risco fiscal. Se juntarmos com uma possível mudança na TLP, aí sim o juro neutro iria para um nível ainda mais alto. Podemos olhar também as NTN-Bs de longo prazo, que estão em torno de 6,2%. Elas podem ir para mais de 8% e seria um nível até pior que o visto no governo Dilma, até porque agora temos um juro internacional mais alto.

Valor: Com um juro real longo tão alto seria um ambiente bem diferente mesmo para os ativos…

Kanczuk: A gente acha que é para vender, não para comprar. O ambiente vai ficar pior. É câmbio acima de R$ 6; Selic indo para 16%; bolsa caindo muito, talvez indo para 80 mil pontos… É um mundo bem diferente.

Por Gabriel Roca e Victor Rezende

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