Supostos vídeos do mercado de luxo na China integram novo capítulo da guerra China-EUA

Guerra comercial entre os dois países agora envolve o mercado de luxo e as redes sociais; entenda os bastidores dos vídeos no TikTok.

Fornecedores chineses começaram a expor, em vídeos no TikTok, os bastidores da produção de marcas globais. (Foto: Reprodução/TikTok)
Fornecedores chineses começaram a expor, em vídeos no TikTok, os bastidores da produção de marcas globais. (Foto: Reprodução/TikTok)

A nova fase da guerra comercial entre Estados Unidos e China já não se limita a tarifas, aço e semicondutores. Atinge também o mercado de luxo. O embate no campo do comércio levou incerteza econômica à rotina de fornecedores chineses e, pari passu, começaram a espocar vídeos no TikTok expondo o que seria, supostamente, o bastidor de marcas globais — incluindo gigantes do segmento de moda e acessórios, Hermès e Louis Vuitton entre elas.

Conteúdos mostrando linhas de montagem, materiais usados na suposta fabricação de produtos e até referências explícitas a marcas de luxo ganharam milhões de visualizações. Se tornaram conteúdos virais.

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Vários desses vídeos mostram bolsas, roupas e calçados sendo produzidos com técnicas industriais, em larga escala, dentro de fábricas ao que tudo indica localizadas na China. Muitas vezes, a qualidade visual é semelhante à dos produtos originais. Alguns comparam peças lado a lado, enquanto outros trazem conversas com fabricantes que afirmam produzir (ou já terem produzido) para marcas famosas.

A Hermès, por exemplo, negou qualquer terceirização na China. Eles afirmaram que toda a produção é mantida na França, feita por artesãos que passam até cinco anos em treinamento. Uma Birkin oficial leva de 15 a 40 horas para ser confeccionada.

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Sem entrar no mérito da veracidade do que é exposto na rede social, há um importante desdobramento da guerra comercial China-EUA em curso.

Segundo Stefânia Ladeira, especialista em comércio exterior e gerente de produtos da Saygo Comex, há três forças por trás desse movimento: a busca por marketing e visibilidade, a pressão indireta por reconhecimento e melhores termos contratuais e, principalmente, uma resposta geopolítica. “Mostrar que marcas ocidentais dependem de fábricas chinesas é uma forma sutil de reequilibrar a narrativa de ‘independência industrial’ que países como os Estados Unidos estão tentando construir”, afirma.

Essa exposição acontece em um momento de forte tensão no setor.

Relatório recente do Deutsche Bank aponta que as marcas enfrentam “pressões na cadeia de suprimentos”, incluindo inflação salarial, escassez de matéria-prima e fechamento de fábricas na Itália – o que levou nomes como Gucci a apoiar pequenos fornecedores.

A eventual exposição pública desses supostos parceiros chineses acende um alerta sobre a fragilidade da engrenagem que sustenta o mercado de luxo global.

Recentemente, os Estados Unidos elevaram tarifas sobre produtos chineses para 145%, enquanto a China respondeu com taxação de 125%. Isso criou um ambiente de incerteza que atingiu diretamente pequenas e médias fábricas na China.

Confiança do consumidor está em xeque

O maior ativo de uma marca de luxo é intangível. Está na história que ela conta, nos símbolos que constrói e no mistério que envolve seus processos. Quando vídeos de fábricas padronizadas ganham alcance global, parte desse valor pode entrar em colapso.

“Quando o consumidor percebe que aquilo que é vendido como raro e artesanal é, na prática, produzido em escala, há uma quebra de expectativa — e isso pode diluir o valor simbólico da marca”, explica Patrícia Diniz, professora do Hub de Luxo da ESPM.

Stefânia explica que esse é o chamado efeito bastidor. “O luxo muitas vezes não quer ser visto em sua forma industrial. Quando isso acontece, o prestígio se reduz, ainda que a qualidade do produto se mantenha.”

Essa percepção, inclusive, pode impactar um setor que convive com suas dificuldades. Segundo o mesmo Deutsche Bank, grandes grupos como Kering, LVMH e Richemont tiveram cortes nas projeções de lucro para 2025 e 2026, e a expectativa de crescimento foi reduzida para apenas 2% neste ano.

TikTok: vitrine informal do mercado de luxo

Atrelado a isso, as redes sociais, que antes serviam às marcas como vitrines controladas, agora funcionam como campo aberto de exposição. O TikTok, com sua lógica de viralização e comparação visual, acelerou esse processo e colocou o mercado de luxo em xeque.

“O consumidor não está mais isolado da cadeia produtiva. Ele pode ver, questionar e compartilhar conteúdos que antes ficavam restritos a quem estava dentro da indústria”, diz Patrícia.

Mudança de comportamento e risco reputacional

De acordo com as especialistas, o impacto no comportamento de consumo, mesmo antes do episódio do TikTok, já pode ser percebido. E ocorre a partir da migração crescente para produtos de revenda e o chamado mercado vintage.

Além disso, essa nova percepção também impulsiona o crescimento de alternativas como o luxo acessível, marcas diretas ao consumidor (direct to consumer) e o fortalecimento do second-hand. Além disso, abre espaço para marcas menores, independentes, com produção artesanal legítima e mais alinhadas com práticas transparentes.

“Marcas com grande capital simbólico, como Hermès ou Burberry, têm mais fôlego para resistir”, avalia Patrícia. “Mas se não reagirem rápido, podem perder o que há de mais difícil de recuperar: o desejo.”

A Inteligência Financeira é um canal jornalístico e este conteúdo não deve ser interpretado como uma recomendação de compra ou venda de investimentos. Antes de investir, verifique seu perfil de investidor, seus objetivos e mantenha-se sempre bem informado.

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